segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ulyanovsk, a cidade de Ulyanov




"As corrente nos pés pesaram, 
Mas com orgulho o povo as arrancou,
Viva o herói que por nós
Sua vida sacrificou, Lenin!
Viva o povo e Lenin!"

Assim começa uma famosa canção húngara, um idioma conhecido por se diferenciar de todas as outras línguas europeias. Alguém que estuda alemão pode encontrar palavras que parecem com o russo, ou com o grego, ou mesmo o português, mas isso não acontece na língua dos magiares. Deste modo surge a questão, o que levou um nome a ter sido homenageado e honrado numa das línguas mais difíceis e exóticas da Europa? 

Todo aquele que passeia pela Rússia e tem a capacidade de ler o alfabeto cirílico se deparará facilmente com um nome em ruas, praças, instituições, bandeiras, algumas cidades, dentre outros locais: Lenin! O que fez de Lenin um nome tão forte na Rússia e no mundo? Foi essa busca que me levou à cidade de Ulyanovsk. Em verdade, foram vários os fatores do destino que apontaram para lá, um destino previsto há dezenas de anos!

Posando em frente ao monumento ao fundador de Simbirsk, hoje Ulyanovsk. Seu porta-bandeiras carrega a bandeira de Cristo Pantokrator, logo às margens do rio Volga

Em minha infância vivi no Rio Grande do Norte, talvez o estado brasileiro que proporcionalmente possui os nomes mais exóticos. Em Angicos brinquei aos meus 6 anos de idade com um garoto chamado Ceaucescu, o nome soava tão exótico que foi impossível não lembrar dele na aula de história, quando eu morava já em outra cidade. Também tive um colega da escola chamado Enver, na universidade conheci um certo professor José Stalin Reginaldo, em verdade também é possível achar em lista de aprovados do vestibular nomes exóticos como "Jaspion Brasileiro" e mesmo "Adolf Hitler". Todavia foi na escola que conheci um jovem chamado Lênin. Eu já havia lido rapidamente sobre Lenin na Enciclopédia Compacta de Conhecimentos Gerais, nos anos 90. Lênin era filho de um professor de história bastante humilde, estudioso, tinha o respeito de toda a sala e de grande parte do colégio. Comentava-se que o pai dele "escondia os livros dele nas férias, para ele poder jogar bola". Nossos os colegas o apelidavam de "mestre", por causa de sua inteligência em todas as matérias. 

Quando comecei a estudar russo, através de um manual soviético, deparei-me com vários textos bibliográficos sobre Lenin, que apresentavam um filho exemplar, aluno exemplar que cuidava de sua mãe solteira e que apresentava sempre uma atitude resoluta ante das dificuldades. Na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, passando pro uma biblioteca, deparei-me com uma versão em português das Obras Escolhidas de Lenin e resolvi lê-las (eu costuma ler quase tudo que via pela frente nessa biblioteca, todo tipo de autor!). Ao ler as ideias de Lenin fiquei impressionado com o que li, suas ideias revolucionárias eram diferentes das de muitos autores do ocidente. Lenin não tinha esperanças na social-democracia, a mesma que hoje promove massacres na Líbia e na Sérvia sob o estandarte da OTAN. Lenin chamava os sociais-democratas de "sociais-traidores", por que estes abandonaram a ideia de uma revolução proletária. Mas sem dúvidas o melhor de suas ideias é a atualidade delas. 

Foi na cidade natal de Lenin e Goncharov que pude ver o meu tempo favorito, sol e neve!


Ergue-se imponente, em frente à Casa Branca de Ulyanovsk, um monumento a Vladimir Lenin, campeão de internacionalismo e cruzado da luta contra o imperialismo e o racismo

Lenin escreveu esboços sobre a questão nacional, sobre a importância de apoiar a independência dos povos árabes, das colônias europeias na África, nas Américas e na Ásia. Ele ousou denunciar o neocolonialismo e o que ele chama de "imperialismo", isto é, o poder do capital monopolista sobre os países do terceiro mundo. Um imperialismo que não visa um "neoimpério" em estilo romano, mas o estabelecimento de novas colônias para o enriquecimento da grande metrópole europeia. Hoje na Europa há grandes empresas que lucram com a venda de chocolates, mas na Europa não nasce cacau! Nem o chocolate foi inventado na Europa, mas pelos povos indígenas das Américas. Em quê os povos desses países se beneficiam com o chocolate? É deste questionamento que nasce a teoria leninista. Lenin apresenta a capacidade de dialogar com autores inclusive de direita. Em toda a sua teoria e estratégia de tomada do poder, Lenin mescla elementos do estrategista alemão Clauzewitz com a teoria revolucionária de Karl Marx, teoria essa posta à prova em outubro de 1917 e vitoriosa. Hoje, em tempos de extremismo e sectarismo, uma pessoa de esquerda, acostumada a raciocinar com base no impulso e não na razão, poderia dizer: "mas isso é um absurdo, ele leu um autor de direita, é um traidor". Mas Lenin não parou por aí. Embora ele tenha sido um crítico ferrenho da direita, Lenin também não poupou a extrema-esquerda. Leitor de Dostoyevskiy, autor de direita que muitas vezes criticou, Lenin, certamente inspirado por uma grande obra como "Os demônios", ousou dizer que "esquerdismo é doença", em sua obra "Esquerdismo: doença infantil do comunismo", onde ele critica os amantes da fraseologia de extrema-esquerda, do sectarismo, dos "super-homens revolucionários" que vemos brotar nas faculdades e depois converter-se em ardentes reacionários.
                                 
Lenin combateu o antissemitismo, uma mazela que assolava o Império Russo em seus últimos dias. Era também um mestre do disfarce, em razão da sua necessidade de fugir da repressão tzarista. Ele também criou um código civil humanizado, que trazia novos institutos como o teste de paternidade, que facilitava o divórcio, um Estado multinacional que se tornou uma superpotência e eliminou o analfabetismo e superou o atraso social e tecnológico do Império Russo. Vladimir Ilich Ulyanov era filho Ilya Ulyanov, um educador do Império Russo condecorado pelo tzar por seus esforços em prol da educação na Rússia, um homem que visitava escolas em lugares longínquos sob o mais intenso frio do inverno russo. Após uma dessas visitas ele adoeceu e morreu, enquanto Lenin ainda era uma criança. Era um general (na época os funcionários públicos russos tinham um posto militar).

Mas não foi somente a história de Lenin que me levou a Ulyanovsk. Desde o primeiro dia em que anunciei minha viagem à Rússia, uma concluinte de jornalismo me convidara para ir até sua cidade. Ela nascera em uma pequena cidade ao redor de Ulyanovsk e agora morava lá. Ruiva, como Lenin, alta para os padrões femininos, e me prometera um par de luvas de tricô bordadas por ela mesma, que acabou por perder em um transporte. Eu prometi visitá-la, mas Moscou foi magnética, como meus amigos búlgaros, cazaques e minha amiga turcomena, como meus amigos russos de Tula, mas eu sentiria um profundo pesar se deixasse de ir até o Tatarstão e por extensão até o oblast de Ulyanovsk.

A recepção foi a melhor possível, fui recebido ainda na estação pela princesa escarlate, com os seus exóticos "olhos de raposa", uma particularidade da beleza russa, a ela presenteei com um buquê de flores. Diga-se de passagem, cometi aí uma pequena gafe, como soube depois pela internet. Na Rússia, deve-se sempre presentear com flores em número ímpar, flores em número par somente para os mortos. Chegando lá, pude desfrutar dos melhores momentos na Rússia, e um deles foi a visita sugerida por Kristina (isso mesmo!) ao monumento a Ilya Ulyanov, e depois à própria casa onde viveu Vladimir Ilich Ulyanov, popularmente conhecido como "Lenin", isto é, "O homem do Lená" (rio russo onde ficavam campos de trabalho do tzar).

Nadyejda Krupskaya, esposa de Lenin e grande educadora russa
A casa de Lenin revelava interessantes surpresas, uma delas era um ícone ortodoxo de Jesus Cristo, na sala principal. Embora fosse um crítico da religião e ateu, como muitos marxistas da época, Lenin teve uma formação cristã ortodoxa, possivelmente influenciou no seu afastamento a sua mãe, que era ortodoxa apenas formalmente, visitando frequentemente uma igreja luterana situada há alguns metros da casa de Lenin, a única igreja protestante que vi na Rússia. Logo na entrada vemos também um piano. A mãe de Lenin era uma exímia pianista. No quarto de Lenin vemos também vários brinquedos, dentre os quais soldadinhos de papel, o que certamente poderia chocar muitos adeptos do politicamente correto ou da "esquerda new age", isto é, um grande nome de esquerda que brincava com bonecos de soldadinhos. Se Lenin vivesse nos dias atuais talvez brincaria de "Comandos em ação", ou jogaria "Counter Strike". Por ser parte de uma família de classe média alta, a casa de Lenin também possuía um quarto para a sua babá. O quarto da babá de Lenin é maior do que quarto onde durmo, de onde escrevi esse artigo. Isso deve ser enfatizado, pois na cidade de Teresina-PI, vi apartamentos em prédios de classe alta, cujos quartos para empregadas eram minúsculos como o quarto de um tripulante de navio, uma senzala moderna, onde sequer havia tomadas para uma doméstica ligar uma TV ou um computador ou instalar pratilheiras com livros. A casa de Lenin, entretanto, era baixa, talvez por razões térmicas. Esticando os braços eu conseguia junto com Kristina alcançar o teto. A julgar pela minha experiência pessoal, no Brasil seria totalmente impensável pensar em ter uma companhia feminina de natureza tão especial e delicada para visitar um museu! A língua russa me inseriu num universo totalmente novo.


Percorrendo a casa de Lenin encontramos a mesa de trabalho de seu pai, herói do Império por seu trabalho educacional, e vemos logo atrás retratos de família. Lá vemos uma foto de Vladimir Ilich ainda jovem, quando possuía cabelos, frequentemente comparado ao ator Leonardo Dicaprio, são evidentes as semelhanças. Logo em frente percebemos também uma relíquia do revolucionário russo, o seu casaco de inverno, um casaco de família passado de geração em geração, que o protegeu do inverno rigoroso da Rússia, num lugar a caminho da Sibéria. Kristina disse que eu seria confundido com um boiardo se eu vestisse um assim.

Lenin e Leonardo DiCaprio

Caminhando pela casa, conheci o quarto de Aleksandr Ulyanov, irmão mais velho de Lenin. Era um revolucionário anarquista, precisamente um niilista, que inspirado pelas ideias revolucionárias que vinham da Europa, acreditava no fim do Império Russo, razão pela qual tentou assassinar o tzar, sendo por isso enforcado publicamente, fato que marcou profundamente a vida do jovem adolescente "Vova". Chegando ao quarto de Vladimir Ilich nós nos deparamos com o amor pelo saber e com a genialidade do fundador da União Soviética. Logo em sua mesa de estudos, nós vemos o seu boletim escolar com as melhores notas e menções honrosas em sua escola. Vemos na parede o seu uniforme escolar (sim senhores, ao contrário do que pregam certos filmes, uniforme não é "coisa de fascista"). Mas duas coisas me impressionam profundamente, uma delas é o fato de que Lenin conhecia o Ceará, que aparece em seu mapa múndi, na parede de seu quarto. Tal como eu, Lenin adorava mapas durante a infância! Em sua estante de livros percebemos diversos livros, dentre os quais, e isso foi mais um choque, "Taras Bulba", de Nikolay Gógol, o meu livro favorito e o primeiro que eu tive em português e em seu idioma original, o russo, um conto sobre um ancião cossaco que protegia a Rússia. Lenin, como eu, também tinha amor pelas línguas estrangeiras. Homem inteligente, ele dominava o alemão, o francês, também estudara no ginásio o latim, o grego e posteriormente também aprendera o inglês. Segundo algumas fontes ele também falava ídiche. Sua mãe conhecia o alemão, o francês e o inglês, segundo algumas fontes também o sueco, sendo neta de um sueco. Lenin além de russo, tinha descendência sueca e tártara, lembrando que sua cidade natal fica vizinha ao Tatarstão (são quatro horas de Kazan até Ulyanovsk de carro em tempo com neve).

Vladimir Ulyanov fora uma criança feliz, um filho exemplar, um adolescente transformado e um adulto ousado, que construiu as bases de um país modernizado, que de um império decadente de analfabetos, construído apenas para aristocratas e burgueses, tornou-se uma república industrializada, sem analfabetismo, com cultura para todos. Se um simples livro era sob o Império um artigo de luxo, sob Lenin eles eram tão baratos quanto um pedaço de pão. Qualquer um que buscar livros feitos na URSS encontrará obras renomadas por centavos, isso mesmo, centavos!!! Enquanto no Brasil, onde não tivemos Lenin, livros são um artigo de luxo! 

É por isso que o nome de Lenin está na boca de muitos, que ele "não desaparece com o tempo", como clama a canção húngara. É por isso que todos os dias, talvez neste momento, há grandes filas em Moscou para visitar o Mausoléu de Lenin. A sensação de estar diante do magíster russo é a mesma de estar diante de um professor que descança, um professor que nos ensinou a repudiar o imperialismo e o racismo, que nos ensinou a aprendermos com a herança da polidez da nobreza e ao mesmo tempo cultivar ideias de justiça social, que nos ensinou que "somos tantas vezes homens quantas línguas falamos", que a cultura e o conhecimento devem fazer parte da vida de todos, e não de uma casta iluminada. Este foi o legado do Grande Lenin! Sua casa está aberta na pequena e pacata cidade de Ulyanovsk, às margens do rio Volga, antiga Simbirsk, a cidade natal de Lenin.



ЛЕНИН ВСЕГДА С ТОБОЙ (LENIN ESTÁ SEMPRE COM VOCÊ)

День за днем бегут года — (A cada dia se passam os anos)
Зори новых поколений. (Florescem novas gerações)
Но никто и никогда (Mas ninguém e nunca)
Не забудет имя: Ленин. (Não esquece o nome: Lenin)

Ленин всегда живой, (Lenin está sempre vivo)
Ленин всегда с тобой (Lenin está sempre com você)
В горе, в надежде и радости. (Nas montanhas, na esperança e na felicidade)
Ленин в твоей весне, (Lenin em sua primavera)
В каждом счастливом дне, (Em cada dia feliz,)
Ленин в тебе и во мне! (Lenin em você e em mim!)

В давний час, в суровой мгле, (Há muito tempo, sob a escuridão)
На заре Советской власти, (No alvorecer do poder soviético)
Он сказал, что на земле (Ele disse que na terra)
Мы построим людям счастье. (Construiríamos a felicidade do povo)

Мы за Партией идем, (Caminhamos com o Partido)
Славя Родину делами, (E a glória da causa da pátria)
И на всем пути большом (E no longo caminho)
В каждом деле Ленин с нами. (Em cada causa Lenin está conosco)

Ленин всегда живой,
Ленин всегда с тобой
В горе, в надежде и радости.
Ленин в твоей весне,
В каждом счастливом дне,
Ленин в тебе и во мне!
И навсегда!



"E Lenin é tão jovem", canção do renomado artista soviético Lyev Leschenko (Letra em breve)

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