segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Uma opinião sem suspeitas

Para algumas pessoas, não se pode pensar nada positivo sobre a Rússia, pode-se (e deve-se) apenas atacá-la e difamá-la. Assim, se alguém tem uma boa experiência na Rússia e expõe isso publicamento, como faço no blog, esse deve estar preparado para os comentários mais estranhos. Lembremos do próprio Graciliano Ramos, um grande inspirador desse blog, autor do livro "Viagens", sobre sua viagem à União Soviética, quando no final ele ironiza os futuros críticos de seu livro, "aquelas crianças que te abraçaram eram apenas atores do partido comunista", "eles sorriam por medo de serem reprimidos pela polícia secreta de Stalin", etc... O tempo passou, mas nada mudou, hoje em vez da "polícia secreta", "dos atores do partido" são outros estereótipos igualmente falsos, "os russos são bárbaros selvagens", "cara, você vai pra Rússia, você ficou louco?", "os russos perseguem esses, ou aqueles, etc.

Geralmente algumas pessoas levantam os seguintes argumentos quando falam que sou bem recebido e tenho um ótimo relacionamento:




"Os seus amigos são comunistas"


Não é verdade, dentre os russos com quem tenho amizade ou qualquer proximidade há pessoas de diferentes visões políticas, inclusive alguns que pretendem morar no ocidente.


"Eles te respeitam por que sabem que você gosta da Rússia"


Em parte isso é verdadeiro, e esse aliás é um grande ponto positivo do povo russo. Eu vi durante a Copa de 2014 brasileiros se humilhando em frente a americanos para ganhar uma bandeira dos Estados Unidos (e não ganharam), se uma pessoa fala inglês no máximo um americano ou britânico vai dizer que você fala bem a língua, o mesmo para um alemão ou um francês, mas se você fala bem o russo há uma enorme chance dele te dar um abraço e chamar você para jantar, almoçar e passear, e provavelmente fará questão de pagar tudo pra você. Isso se chama "hospitalidade", entretanto essa tradição independe de você gostar ou não da Rússia. Um russo que hospeda estrangeiros me contou sobre um polonês que veio à Rússia "só pra ver como o país não prestava", e achou um tanto estranho tal turista. 

Os brasileiros que vêm à Rússia dividem-se em dois tipos, os que vem a negócios e os que vem por razões pessoais. Nesse último universo, certamente o mais comum são os curiosos, geralmente homens de 25 a 50 que em algum momento da vida assistiram ao cinema americano e ficaram curiosos sobre o "lado malvadão" (há de convir que a Rússia, em parte, deve a Holywood pelo turismo), e os famosos "studyenty", isto é, os universitários, pessoas que vieram à Rússia cursar o ensino superior, devido aos baixos preços das universidades russas comparado com as particulares do Brasil.

Quase todos os brasileiros que tiveram contato com russos dizem o mesmo, que na Rússia foram recebidos melhor do que no Brasil. Eu não consigo imaginar um encontro não oficial, por exemplo, no qual eu vou à Paraíba e alguém faz questão de me mostrar à cidade e me chama para a sua sala de estar ou cozinha e faz questão de me servir chá ou comidas típicas. Isso acontece entre vizinhos, é verdade, ou familiares, e aqui na Rússia o russo é um potencial "vizinho" ou "familiar".

Posso citar além de mim a experiência da universitária Aline Veras, minha conterrânea de Fortaleza, que na cidade nordestina dirigia um círculo de literatura russa. Estudante da história do país, ela comenta que está gostando muito dos seus estudos em Moscou, entretanto comenta não ter conhecido um russo ainda, embora more na capital russa há um ano. É comum que em uma enorme cidade como Moscou, voltada para a correria e o capitalismo, as pessoas não tenham a mesma familiaridade de outras cidades russas, ou o espírito pró-turista de São Petersburgo, para sanar o problema passei o contato dela para alguns amigos que adoram brasileiros, residentes em Moscou. Embora Aline seja brasileira, ela passa despercebida em Moscou e mesmo é tomada por uma russa devido à sua aparência física, de pele bastante clara e cabelos claros.

Outra opinião é a da brasileira Rafaela, do Rio de Janeiro, residente na cidade de Volgogrado, antiga Stalingrado. Ela faz serviços voluntários na Rússia e comentou que trata-se do país onde foi melhor recebida. Eu vi como ela é tratada por dois amigos seus, Denis e Marina. Essa última fez questão de pedir a minha ajuda para organizar um passeio pelo Museu Panorama de Stalingrado, sobre a maior batalha da história da humanidade. Rafaela comentou e satirizou o ridículo desconhecimento e a ignorância de muitos europeus ocidentais sobre a Rússia, "mas você vai à Rússia?!", "que loucura", "o país é muito perigoso"... Rafaela comentava sobre uma câmera profissional que lhe emprestaram, sobre como ela ficou com medo de tomar emprestado por medo da câmera ser roubada. Os russos estranharam a opinião, e então ela explicou que no Brasil isso é praticamente imprensável devido ao crime. Na "perigosa Rússia" você pode sair com uma câmera, uma celular e até com um laptop aberto que as chances de um motoqueiro chegar apontando uma arma para você e levar o que você tem, como já aconteceu a quase todo fortalezense que conheci até hoje, são infinitamente mais baixas que no Brasil. A propósito, Rafaela tem um namorado norueguês e ficou na Rússia devido à expiração de seu passaporte no país viking

Igualmente interessante é a opinião do brasileiro Daniel Marques, que visitou Moscou por três dias. Inicialmente ele teve problemas, inclusive citando o caso de um hostel no qual o colega de quarto começou a fumar maconha, o que levou-o a sair, bem como devido aos funcionários que nada sabiam sobre Moscou. Conforme ele superou essa dificuldade, mudando de hostel. ele conseguiu ir a um encontro social no qual eu estava presente, conhecendo outros turistas, um russo e uma belíssima moça calmúquia, povo mongólico da Rússia europeia que professa o budismo. Jovial e brincalhão, ele começara a se interessar pelo país e pelas suas belezas, lamentando profundamente ter de passar apenas 3 dias em Moscou. Ele também elogiava as mulheres da Lituânia, país de sua namorada, comentando que "nunca no Brasil ele conseguiria arranjar uma namorada tão bonita sendo gordinho e careca". 


"Eles só gostam de quem puxa o saco deles"


Totalmente falsa. Há diferentes tipos de russos, entretanto praticamente todos eles têm algo em comum, gostam de conhecer pessoas de fora. Evidentemente que nem sempre um russo irá concordar com você, entretanto, caso não concorde um russo provavelmente irá evitar certos assuntos a fim de evitar choques muito fortes de opinião, mas certamente ouvirá atentamente ao seu discurso. 

Também é evidente que, como qualquer pessoa, logicamente um russo tenderá a dar mais atenção a alguém que se interessa pela sua história do que a alguém que não está nem aí. Vamos imaginar só, imagine só um senhor X da "República de Cocos" dizendo no Brasil que o país é uma porcaria. Evidentemente em qualquer lugar onde tal cidadão chegar, ele certamente será mal visto no país. Caso se trate de algum turista esnobe, como muitos americanos, notáveis no Brasil e fora dele como os indivíduos mais esnobes que já conheci, se ele não dá a mínima para os habitantes locais, se ele não se entrosa, logicamente ninguém irá tentar se entrosar com ele. Uma russa siberiana que conheci conta como numa praia no Brasil ela pediu um mapa da cidade, ao que a vendedora recusou, tomando-a por americana, ao saber que ela era russa e da Sibéria não só lhe deu o mapa como fez questão de mostrar aos seus amigos como teve o "grande prazer de conhecer uma moça da Sibéria" e como as pessoas se juntaram em grupos para tirar foto com a loirinha siberiana.


"Foi a primeira vez, depois eles se acostumam"


Claro que a tendência é que as pessoas se acostumem e você deixe de ser a novidade após passar algum tempo, mas quando se trata de amigos verdadeiros há enormes chances de você ter um relacionamento saudável por muito tempo.

É uma enorme tolice inventar "devoradores de homens" para justificar a sua própria ignorância e desafeto pessoal por um povo inteiro ou um grande país. A russofobia, ou melhor seria dizer "russofrenia" é uma doença maligna no ocidente que se desenvolve à medida que muitos ocidentais ingênuos ficam expostos a uma propaganda especificamente construída com o propósito de incitar o ódio contra a Rússia. Cabe a cada um ter o mínimo de bom senso.

Um comentário:

  1. Caro camarada;
    Nos brindará com algum artigo relacionado ao dia do defensor da pátria?

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