sábado, 13 de fevereiro de 2016

Uma aula de português na Rússia


Nelson Mandela costumava dizer que quando você fala para um homem você fala para a mente dele, mas quando você fala para um homem na língua pátria dele, você fala para a alma dele. Na cidade de São Petersburgo pude ter uma experiência incrível, próximo da Estação Esportiva. Lá encontrei-me com a amiga de um aluno meu de russo, que ajudava a este com o russo e ela o ajudava com o português, os russos são geralmente muito comunicativos e não é por acaso que é a língua com a qual tenho mais fluência (embora domine melhor a gramática inglesa). Já estudei outras línguas como o italiano, o sueco e o alemão, mas conheci poucas pessoas dessas línguas realmente interessadas em ajudar ou fazer algum tipo de intercâmbio cultural, a impressão que alguém pode ter é que essas pessoas estão pouco se importando se você fala a língua delas, o que não acontece no russo.

Experiência parecida com a que muitos russos tem ao me encontrar no Brasil eu tive na capital do norte, quando uma moça chamada Yekaterina levou-me para conhecer a sua escola de português. Chegando lá eu não estava muito bem, mas o meu estado mudou rapidamente. Deparei-me com um professor que dominava muito bem o português e se o soltassem em São Paulo o tomariam facilmente por um paulista, fisicamente lembrando um conhecido meu, filósofo e jornalista. Ele estudara o português em Portugal, mas adaptara a sua fala para o português brasileiro, uma prática comum entre os russos que gostam de português, dado que infelizmente no Brasil dificilmente alguém fala corretamente (dói no juízo ouvir ou ler uma mulher com alto nível econômico-social falar "obrigado", com "o" no final).

A primeira impressão que tive do lugar me fez lembrar rapidamente uma cena do filme "Brat 2", onde o herói passa por baixo de alguns arcos de apartamentos em Moscou. Em São Petersburgo e Moscou, tive a impressão de que cursos de línguas sempre ficam depois desses arcos. Deparei-me então com a sala de aula, totalmente diferente das que vi no Brasil. Era um ambiente mais familiar, uma grande mesa, cadeiras ao seu redor, bombons de chocolate e chá. Os russos tomam muito chá, e isso talvez ajuda a explicar a beleza das mulheres da Rússia, refrigerantes são poucos consumidos e geralmente caros, é difícil ver uma russa com muitos quilos a mais.

Iniciada a lição, passei por uma entrevista com os alunos, onde falava sobre a minha visita a São Petersburgo e exaltava a receptividade do povo russo, falava sobre o meu amigo, um siberiano casado com uma americana que assim como eu trabalhava como freelancer, uma forma de trabalhar que tem sido adotada por muitos russos e que tem dado certo na vida de muitos. Após a entrevista, vamos para a redação, o momento mais curioso para mim. Soava um pouco divertido ver os russos falando de seu cotidiano em português, divertido por ser totalmente incomum. Os textos eram um pouco repetitivos, mas pareciam sinceros, basicamente falavam sobre como elas tiveram um dia difícil de muito trabalho (dentre as 4 alunas havia apenas um aluno), e um aluno falava exatamente sobre como ele sentiu saudades do Brasil e por isso resolver beber vodka, mas queria mesmo era beber cachaça e caipirinha para matar a saudade. O russo era grande e forte, ocupava-se com a academia e também estudava o português, além de trabalhar, uma pessoa bastante generosa, alegre, e que falava com entusiasmo do seu sonho de ter visitado o Brasil, ele descrevia o Brasil como uma "Rússia quente" e falava da Rússia como um "Brasil gelado", uma opinião muito bem formulada e com a qual em parte concordo. Na obra "Taras Bulba" lemos que "camaradas estiveram em outras terras, mas camaradas como na terra russa não há", e a Rússia é um país no qual não consegui de forma alguma me sentir fora de casa e na verdade, até o contrário, me senti bem mais a vontade na Rússia como me sinto ao ver que no metrô, por exemplo, há um vagão biblioteca, ao ver que mulheres bonitas podem falar não apenas de academia e suplementos, como também sobre grandes mestres da literatura universal.

Observando o entusiasmo dos alunos, não pude deixar de prestar atenção no conhecimento do professor não apenas da língua, como também da cultura brasileira. Todos os participantes daquela sala demonstraram todo um carinho especial da cultura brasileira e pelo idioma português que infelizmente deixa a desejar no Brasil. Ainda me lembro como durante a minha infância algumas pessoas ofendiam-se profundamente quando a minha mãe os corrigia. A Rússia é um país no qual posso dizer que há um significativo número de falantes de português, especialmente se levarmos em conta a distância da Rússia e do Brasil, as diferenças culturais, clima... Em Moscou conheci um russo que conhece os clássicos de Jorge Amado e os leu não apenas em russo como em português, conheci três professores de capoeira dos urais, uma bielorrussa que conhece danças brasileiras, dentre outras pessoas conhecedoras da cultura local, autores brasileiros, expressões, etc. Para efeito de comparação, até hoje conheci uma americana e um americano que falavam o português, mesmo os nossos vizinhos latinos, tendo um idioma tão parecido, geralmente não falam bem o português. E o que falar de outros povos da Europa, que dificilmente sabem qualquer coisa de português? Para ser justo, já conheci um sueco interessado em português, dois alemães que se passariam facilmente por gaúchos, incluindo uma alemã capoeirista, uma suíça que domina perfeitamente a língua e um francês e um belga que não apenas falam a língua como também praticam a capoeira. Na Rússia já conheci pelo menos 30 falantes de português, desde pessoas de Moscou até o Extremo-Oriente, e com uma certa frequência recebo pedidos de aulas na rede social russa VK. Não raros são os que sozinhos aprenderam a língua.

Desde o meu primeiro contato com russos falantes de português percebi que para muitos o Brasil é para o russo o que o México é para o Brasil, qual brasileiro nunca assistiu Chaves ou alguma novela mexicana? Muitos russos, especialmente aqueles com 25 anos ou mais tiveram o seu primeiro contato com a cultura brasileira a partir das boas telenovelas dos anos 90 ou 80, mas que infelizmente perderam a qualidade na década de 2000 em nome da mercantilização e de temas escandalosos que ofendem os povos. Uma amiga da Sibéria me fala com entusiasmo de seu amor pelo Brasil, onde esteve mais de uma vez, mostra-me a sua capa de celular com o Cristo Redentor e sua canga de praia com a bandeira do Brasil. Alguns amigos também ficam contentes em saber que o Brasil tem uma presidente com sobrenome eslavo.

Mas voltando às telenovelas, esse conhecimento do Brasil através delas também tem o seu lado negativo. Muitos russos criam ideias completamente erradas de como é a vida no Brasil, acreditando que todo pobre no Brasil mora em uma casa de classe média, como aparece nas novelas de certa emissora, na qual as favelas mais parecem ter sido importadas da Noruega e tudo se passa em torno da praia do Leblon. Além disso, tal como muitos não-russos pensam que a Rússia se resume a Moscou, muitos russos acham que o Brasil se resume ao Rio. São problemas que cabe a cada um de nós, de diferentes regiões, solucionarmos mostrando o que há de melhor em cada região. Por isso sempre que posso venho com o meu chapéu de cangaceiro, minha cuia de chimarrão e falo das nossas tradições de diferentes regiões do Brasil. Cabe a cada um de nós mostrar onde nós estamos no mapa e deixar que os russos por si só tirem suas próprias conclusões!

Um comentário:

  1. Muito bom! O povo russo realmente é um povo, assim com muitos outros, especial. Estou aprendendo russo para poder traduzir curiosidades históricas do Brasil Império para a língua do grande Dostoiyevskiy! Algo que me chamou atenção no povo russo, é a grande disposição de ajudar pessoas que querem aprender o idioma. Certa vez pedi para meu amigo traduzir um texto que eu fiz sobre o imperador D. Pedro II (sou um saudosista da sua figura) para o russo. E tive uma grande surpresa: ele fez isso com o maior entusiasmo, apesar da extensão do texto. Geralmente um brasileiro diria: "estou com preguiça", "agora não", "é muito longo".
    Continue com seu trabalho. É importante que mais pessoas conheçam o Brasil.

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