terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Linha Verde: O fim do Bloqueio de Leningrado

Trabalho fotográfico de jornalista cearense expõe as páginas mais sangrentas da história de São Petersburgo 

O Cerco de Leningrado foi um dos episódios mais dolorosos da Segunda Guerra. Dentre a população civil, cerca de 500 mil morreram de fome. A população sobrevivia com apenas 125 gramas de pão preto entregue pelo governo (equivalente a 1/3 de uma fatia de pão) durante o dia. Fora isso, compartilhavam e trocavam o que encontravam nos depósitos, sendo isso ainda mais difícil no período do inverno. Nem sempre isso tudo estava disponível e a população tinha que recorrer a corvos, pombos e até ratos. Nem mesmo insetos havia, pois geralmente eles simplesmente desaparecem durante o inverno russo e existem em escassa quantia devido ao clima frio de São Petersburgo.


A tragédia poderia ter sido ainda maior se a cidade se entregasse. Conforme nos informa o historiador Igor Pyhalov, Hitler tinha ordens diretas para reduzir a cidade de Leningado (São Petersburgo) a apenas 1/5 dela, servindo apenas de posto limítrofe entre a Alemanha e a Finlândia. Dos 300 prédios históricos, restaram apenas 183, sendo os demais restaurados na época soviética depois da guerra. O famoso palácio do Hermitage, na principal praça da cidade, a Praça do Palácio, foi danificado por uma bomba incendiária. Parte de seu acervo foi capturado pelos nazistas antes de ser evacuado para a Sibéria. Essa tragédia, entretanto, não se agravou e a razão foi uma, o espírito combativo e de auto-sacrifício do Exército Vermelho.

Desde o início do Cerco de Leningrado, segunda maior cidade da URSS, as ordens eram claras, não se entregar sob nenhuma hipótese! O Exército Vermelho resistiu contra milhões de soldados do III Reich, tendo como oponentes o poderoso Werhmacht, o Exército Alemão, o Exército Finlandês, a Legião Azul espanhola, sob o comando do militar Muñoz Grandes. Essa foi uma das maiores investidas da Espanha contra a União Soviética, contando com quase 20 mil espanhóis! O pesadelo durou quase 900 dias, encerrando-se em janeiro de 1944.

Cada cidade-herói tem os seus lugares especiais nos quais se destacaram por grandes feitos heróicos, em Stalingrado (Volgogrado), por exemplo, estes são a Mamayev Kurgan, a Fábrica Outubro Vermelho e a Casa do Sargento Pavlov. Em Leningrado, São Petersburgo, estes são o Leito de Ivanov e o Leito do Nevá. Além disso visitamos o Diorama do Bloqueio de Leningrado, Ruínas do VIMT, isto é, fábrica que ficava num pequeno vilarejo, e as Colinas de Sinyavin, um memorial onde ficavam localizadas as baterias de artilharia do Exército Vermelho.


A nossa excursão por estes lugares se deu neste sábado, a partir das 11:00 da manhã sob intensa neve. Iniciamos a partir da estação Rybatskoye, tendo como guias reconstrutores históricos, dentre os quais Andrei Yazov, usando o famoso quepe azul do NKVD. O sobrenome também pertence ao último Marechal da União Soviética ainda vivo, parente distante do nosso guia.

1- O leito de Ivanov

Trata-se do leito de um lago. Foi neste local que heroicamente combateu o Exército Vermelho para romper o cerco de Leningrado. No monumento localiza-se um "Túmulo fraterno" com cerca de 3000 combatentes tombados durante a batalha. Nele há uma pedra com a inscrição "Viajante, repasse que o inimigo não chegou a Leningrado".






2- O leito do Nevá





Esse é um dos episódios mais sangrentos do Cerco de Leningrado. Aqui, milhares de soldados do Exército Vermelho, fortificados, resistiram na beira do rio Nevá, o principal de São Petersburgo. Cerca de 50 mil projéteis de artilharia caíram sobre eles, provocando uma carnificina de enormes proporções. Cada centímetro deste lugar está banhado com o sangue dos comunistas, que na prática serviram de escudo humano para Leningrado. Não fosse a sua resistência no local, talvez esses 50 mil projéteis teria caído sobre as cabeças de cidadãos leningradenses.

Para se ter uma noção do estrago, no local, durante o verão, é possível encontrar um grande número de artefatos da IIGM, sequer é preciso cavá-los. Isso, a propósito, faz com muitos busquem esses artefatos para vendê-los a colecionadores no mercado negro. Em nosso caminho nos deparamos com uma máscara anti-gás, restos de um carregador de submetralhadora PPSh-41, dentre outros. Na outra margem encontra-se um museu.

Devido à carnificina, por anos não nasceu um fio de grama. As árvores do lugar parecem ter ferrugem das granadas de morteiro que caíram sobre o lugar.

Em nossa partida percebi carros de diferentes tipos estacionados, além do nosso ônibus, deixando a entender que pessoas de diferente poder aquisitivo visitam o local, bem como famílias inteiras preocupadas em saber melhor sobre a sua história. Lembremos que os russos acreditam no coletivismo, e lugares como o Leito do Nevá são vistos não como "fatos da vida dos outros", mas sim como "fatos do nosso país". Como já dissemos em outros artigos, em geral russos não se referem à "Rússia", a "este país", mas sim ao "nosso país".

3- O Panorama de Leningrado

Trata-se de um museu que ao estilo do Panorama de Stalingrado mostra em uma grande pintura os principais ocorridos da guerra, suas páginas mais dramáticas. Nele estão presentes diversos artefatos originais que ajudam a entender quem eram os guerreiros do cerco e contra quem combatiam, seus comandantes, nomes, dentre outros fatos.

Em frente a este Panorama estão diversos tanques da época, todos adornados com flores deixadas pelos visitantes. Até os policiais pediram para tirar fotos com os nossos reconstrutores históricos que lideravam o grupo e nos explicavam sobre os acontecimentos. Em nosso grupo havia idosos, dentre os quais a filha de um Herói da União Soviética, adultos, adolescentes e crianças, homens e mulheres!





4- Ruínas do VIMT

Trata-se dos escombros do que restou de uma fábrica de um pequeno vilarejo próximo de São Petersburgo. Lá, os nossos guias nos mostraram a refeição diária dos civis não combatentes de Leningrado distribuída pelo governo, 125 gramas de pão e pequenas quantias de chá. Aos combatentes e outros encarregados de cavar trincheiras no front era entregue 250 gramas. Como já explicado, o resto era obtido ao acaso. Cerca de 500 mil morreram de fome. Esse foi o nosso lanche.
Aproveitei o momento para, com a ajuda de outros visitantes, filmar o vídeo para o canal "Russificando" no Youtube.


 




5- As colinas de Sinyavin

"Artilheiros, Stalin deu a ordem", esse é o refrão do hino da artilharia soviética, ainda hoje tocado na Rússia durante paradas militares. A artilharia era a rainha das armas do Exército Vermelho, canhões dos mais grossos calibres eram a prioridade na produção industrial militar soviética, abatendo a terra profanada pelo invasor fascista. Um dos melhores locais para posicioná-la, oferecendo grande visibilidade, eram as colinas de Sinyavin.

Lá há um monumento a vários guerreiros do Exército Vermelho que tombaram na defesa de Leningrado. Este local nos mostra que na guerra também há poesia e belas lições! Que a guerra não é apenas sofrimento e dor, mas antes de tudo amor, amor a tal ponto que alguém é capaz de sacrificar a própria vida em defesa do seu seu próximo. Próximo este que, na ideologia soviética, era não apenas um "membro da família", não apenas um membro de uma determinada cor, raça ou nação, mas sim todos aqueles que compartilhavam o sentimento de um país inteiro e estavam prontos para defendê-lo, independente de seu credo, etnia ou nação.

Logo no começo avistamos um monumento-túmulo bastante peculiar. Lembrava um pouco uma pirâmide, mas em realidade era uma alegoria a uma iurte, a habitação dos povos nômades do extremo-norte da Sibéria, em seu topo estava um pequeno ouriço, barreira militar intransponível para pesados tanques blindados, os "cavaleiros da guerra moderna". Além do epitáfio, víamos o desenho de uma aurora boreal, privilégio visual para os olhos puxados daqueles que habitam o extremo-norte do nosso planeta. Era um memorial ao povo nômade siberiano conhecido como "nyenyets", uma das mais de 200 nações que habitavam a União Soviética.

Logo após, diante dos nossos olhos estava outro memorial, dedicado a um dos povos mais asiáticos da Europa, antes algozes do povo russo junto aos mongóis, hoje seus irmãos e compatriotas, os tártaros! Outro trazia cota de armas de um povo do Cáucaso do Norte, dedicado aos combatentes do Daguestão. Um outro memorial trazia uma cruz adornada com desenhos étnicos, do primeiro povo a adotar o cristianismo, eles também vítimas de um genocídio promovido pela Turquia e condenado veementemente pela União Soviética, era um memorial aos combatentes da República Socialista Soviética da Armênia, país do Cáucaso de cultura milenar.

Encerrado o passeio, o guia explicava o seu uniforme, de guarda do NKVD, que ao contrário do que afirmam alguns historiadores antissoviéticos, não eram apenas "zagradotryady" (destacamentos de Polícia do Exército que fuzilavam desertores), mas também participavam de missões de reconhecimento e sabotagem. A cada um dos mais de 20 membros da excursão era dado o direito de voz. O primeiro membro a se manifestar foi Inessa, idosa da Ucrânia, filha de um Herói da União Soviética (o mais alto título honorário da Rússia) morto no Báltico, ao ser atingido pelos estilhaços de uma granada. Ela manifestou a sua gratidão e o desejo de que todos jamais esquecessem essa história de heroísmo e glória, falando com os olhos cheios de água.

O guia fez questão de informar a todos que o nosso grupo não era composto não apenas por russos, mas por pessoas de várias nacionalidades (conosco estavam dois comunistas chineses, estudantes em São Petersburgo), e convidou a mim para falar do evento. Em meu discurso fiz questão de enfatizar a importância das pessoas que têm ideias, mencionando o contraste entre uma garota "apolítica" que conheci por acaso no metrô Kievskaya, de Moscou, e o jovem comunista reconstrutor que me concedeu entrevista, que afirmou que "a história está mais próxima de nós do que imaginamos", falando inclusive sobre a casa onde mora no centro de São Petersburgo, na qual uma família inteira foi destruída com a queda de um único projétil de artilharia alemã.

A segunda parte do meu discurso consistiu em afirmar que se antes o Ocidente investia em tecnologias de guerra para exterminar povos inteiros, hoje contra a Rússia inventaram novos métodos, métodos estes sutis, que não exigem o aço e a pólvora, métodos estes que dirigidos às mentes e à alma do povo russo, que em vez de canhões de artilharia utilizam a música, as artes e o cinema, a guerra de informação dirigida 24 horas no ocidente contra a Rússia, para que os russos envergonhem-se de quem são, esqueçam quem são e assim o Ocidente possa ter acesso aos seus recursos. A maior honra após esse discurso foi ter a gratidão da camarada Inessa, com mais de 70 anos, e dos demais participantes.


 




- As lições a serem aprendidas


"A Rússia é um país militarizado!", dizem alguns, "vamos esquecer tudo isso, ninguém precisa falar de sangue e de dor", "isso é passado, vamos deixar a história triste nos museus, o mundo mudou, vamos esquecer isso", dizem outros. Mas será que alguém diria a mesma coisa para as vítimas do Holocausto, do Genocídio Armênio, ou ainda para os índios americanos que restaram ou os descendentes dos escravos negros?!

O problema dos russos é serem brancos, me dizia um intelectual petersburguense autor da obra "É difícil ser russo", Dmitriy Puchkov, numa entrevista em seu programa. E ele falou tudo! Tudo aquilo que hoje é dito sobre os russos no ocidente e por vezes na própria Rússia um dia foi dito sobre judeus, armênios, índios e negros! Os alemães não invadiram a Rússia por que "eram malvados" ou por que "carregavam o mal em seu DNA", e por isso discordamos radicalmente daqueles que hoje na Rússia afirmam que "não era uma luta dos soviéticos contra os nazistas", ou "comunistas x nazistas", mas "russos contra invasores alemães", tese nacionalista com significante número de adeptos, como por exemplo o diretor Andrey Shalhopa, de "28 panfilovtsev". Os alemães invadiram a Rússia por que durante anos foram ensinados que deveriam "combater o perverso bolchevismo judeu", "eliminar a raça inferior russo-mongólica" (ideologia bem difundida na Ucrânia da Maydan), e invadiram a URSS por que contavam com aliados da Europa inteira!

Somos pela paz, porém discordamos veementemente dos pacifistas, daqueles que dizem que "a Rússia deve se desarmar e se tornar pacífica", que "a Rússia tem armas demais e isso assusta os turistas ou diplomatas ocidentais". Esse discurso "pacifista" encontra entre seus adeptos apenas dois tipos, um é o tolo, o ingênuo que pelo seu desconhecimento da história acha que potências armadas até os dentes com as armas mais modernas podem ser "generosas e benévolas" com aqueles sem armas modernas, e os maias, astecas, incas e tantos outros povos que o digam! Outro adepto do discurso pacifista são os vigaristas, aqueles que trabalham a serviço do Ocidente para mobilizar a opinião do povo contra as Forças Armadas da Rússia, contra o Estado russo e contra a sua história antes de tudo, aqueles que querem que o povo esqueça a história, criando as condições para que ela se repita, e por trás desse discurso pacifista escondem-se tanques, helicópteros, aviões, mísseis e soldados da OTAN que movem as suas tropas para a fronteira com a Rússia, dispostos a nela e em seus aliados intervir a qualquer instante!

Hoje a Rússia possui mísseis nucleares, desde que Stalin os desenvolveu a bomba atômica soviética em 1949. Mas se não fossem esses mísseis atômicos, quantos petersburguenses estariam sendo novamente cercados e morrendo de fome? Sobre quantas Batalhas de Stalingrado e de Sevastopol estaríamos ouvindo a cada ano no rádio e na TV?

No Ocidente, não se fala mais em "Cruzada contra o bolchevismo", porém a TV, o cinema e revistas nos falam sobre o "terrível regime antidemocrático de Putin" (curiosamente jamais disseram nada sobre Medvedev devido às suas políticas mais antissoviéticas e de aproximação com o Ocidente), nos dizem que "os russos lutaram não pelo amor à pátria ou por ideias comunistas, mas por que temiam por suas famílias serem reprimidas", nos dizem até que o nazismo foi derrotado não por que o Exército Soviético deu nele um basta, mas por causa do "gênio criativo de um britânico pederasta". E dessa guerra informação, nas palavras de um escritor petersburguense, os próprios russos são culpados! Muitos autores bem pagos na Rússia reproduzem o pensamento ocidental, um canal de TV, "Dojd", foi temporariamente fechado por afirmar que teria sido melhor se os nazistas tivessem vencido a guerra. Liberais reproduzem de forma aberta e sem máscara este discurso mentiroso! "Levar o passado para o museu" não é o caminho para construir a paz, melhor seria levar esse cinismo para a procuradoria do MVD!


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